O debate entre medidas de segurança durante a pandemia, desenvolvimento e liberdade oferecem desafios a cidadãos e gestores públicos.
Em 21 de março de 2020, o Governo do Estado de São Paulo decretou quarentena para todos os 645 municípios do seu território em face do novo coronavírus. A medida, que já havia sido adotada em países europeus e asiáticos, também começava a ser implementada em outras unidades da federação do Brasil e trouxe uma série de perguntas à população.
Em primeiro lugar, por quanto tempo valeria a ordem de ficar em casa? Em segundo, seria possível trabalhar e estudar de casa? E quem não tivesse outra escolha senão sair e se expor ao vírus desconhecido?
Outras questões também vieram à tona. Dentre elas, uma inquietação levou a um debate bastante acalorado: os governos podem restringir as liberdades individuais da população? Quais seriam as implicações de um lockdown ou de uma quarentena na liberdade de ir e vir?
Com decretos de estado de emergência por conta da covid-19 por todo o mundo, houve receios de que as democracias mundiais entrassem em períodos sombrios. Quando governadores de estados americanos passaram a obrigar o uso de máscaras, muitas pessoas nos Estados Unidos se opuseram ao que, na visão deles, seria uma restrição à liberdade individual garantida pela Constituição Federal do país.
Liberais, libertários, progressistas e desenvolvimentistas, dentre muitos outros grupos políticos, no Brasil e no exterior, prezam pela liberdade de modos bastante diferentes. Alguns posicionamentos podem ser especialmente relevantes no atual contexto de restrições de circulação durante a pandemia.
A covid-19 atingiu em cheio o cerne de um debate praticamente onipresente na história da humanidade: queremos ser livres, mas para qual fim? Até onde o Estado pode limitar a liberdade do cidadão? Até que ponto devemos obedecer e quando devemos nos rebelar? Até que ponto a liberdade individual pode se sobrepor ao bem coletivo?
O questionamento sobre o que podemos e o que devemos fazer com a nossa liberdade é de particular interesse. Para que serve a nossa liberdade, afinal? E o que ela nos diz?
Amartya Sen, economista indiano ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1998, dá uma pista interessante. Segundo ele, o desenvolvimento dos povos depende do nível de liberdades e de escolhas que as pessoas têm. Além dos direitos constitucionais (como o acesso à saúde e à educação no caso brasileiro), liberdades muitas vezes corriqueiras, como o acesso ao mercado econômico e a possibilidade de discordar politicamente são indicadores dos níveis de desenvolvimento em cada país.
Evidentemente, existem várias formas de avaliarmos o desenvolvimento de uma nação a partir de como a covid-19 atingiu os seus cidadãos. A eficiência dos sistemas de saúde, além da disponibilidade e o alcance das campanhas de vacinação são algumas das possíveis balizas nesse sentido. E dizer que um país é desenvolvido caso tenha aplicado um lockdown mais ou menos restritivo, ou se tiver sido mais ou menos complacente com o uso de máscaras pela população soa absurdo. Além disso, quando Sen cunhou a teoria do Desenvolvimento como Liberdade, ninguém imaginava o futuro pandêmico que se aproximava, o que nos demanda cuidado ao misturarmos o seu trabalho acadêmico com os últimos acontecimentos globais.
Entretanto, vale lançar a pergunta: o que a pandemia tem a dizer sobre o desenvolvimento de cada país sob o ponto de vista do exercício da liberdade?
Para gestores públicos mundo afora, muitos desafios contemporâneos podem ser pensados sob esse framing. Como o dilema (ou trade-off, como dizem os economistas) entre manter a economia a todo vapor e respeitar medidas de saúde pública. Ou a escolha entre restringir as liberdades das pessoas para evitar efeitos desastrosos de uma doença temerosa e desconhecida. Cada país e cada governo, sob uma orientação política única, tem uma resposta.
O que Amartya Sen diria sobre tudo isso? Em entrevistas recentes, o economista salientou que, embora lockdowns em países periféricos (como a Índia, sua terra-natal) tenham impedido a geração de renda para trabalhadores, a principal tragédia causada pela covid-19 foi a morte de vidas humanas.
E como o debate tensiona o trabalho do gestor público? Certamente, é preciso que se tenha uma opinião a respeito. Para tanto, o gestor precisa se balizar em evidências empíricas. O que já foi feito no mundo? Já houve situações semelhantes à pandemia de covid-19 na história recente? Como os governos reagiram? Quais resultados foram observados?
O gestor é, acima de tudo, um administrador público responsável pelo seu bem-estar e pelo bem-estar dos outros. Quando os desafios lhe são postos, cabe a ele agir com tal responsabilidade e com o poder nele investido pela profissão.
Sobre o autor
Guilherme Formicki é doutorando em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade de São Paulo e mestre em Planejamento Urbano pela Columbia University, em Nova Iorque. Nos Estados Unidos foi bolsista Lemann e ganhou o prêmio Charles Abrams pela dissertação com o maior comprometimento com justiça social.
Os artigos do quadro Colunas de Opinião não refletem necessariamente a opinião do Conexão Gestão Pública.
Guilherme Formicki, excelente texto, parabéns!
Ao site Conexão Gestão Pública, ótimo oportunizar a lida desses temas!
O Gestor Público deve mesmo prestar atenção a um número grande de variáveis quando vai optar pela abertura ou fechamento de algum serviço e ter ciência que as medidas impactam na Liberdade dos indivíduos. Deve também ter clareza de que suas opções técnicas sã também escolhas políticas.