top of page
[CGP]_logo_02.png
  • Whatsapp
  • Instagram
  • Facebook
  • LinkedIn

Educação e renda: uma relação oportuna de longo prazo.

Atualizado: 2 de nov. de 2021

Em cenários de aumento de desemprego e economia em declínio, perde-se a clareza dos benefícios que a educação traz em termos de emprego e renda.



O bom desempenho de Carlos no ensino fundamental da escola pública do Recanto das Emas, em Brasília, permitiu a ele cursar o primeiro e segundo anos do Ensino Médio em uma reconhecida escola particular da capital com bolsa para alunos de baixa renda. O desempenho de Carlos não foi suficiente para manter sua bolsa no último ano da etapa, no entanto terminar o ensino médio na rede pública de ensino o ajudou na obtenção de financiamento da sua faculdade privada em Ciências Contábeis. Mesmo com o diploma na mão, a falta de oportunidades o levou à reinvestir nos estudos: começou a cursar Administração em outra faculdade privada. A nova rede e o novo currículo permitiram um estágio remunerado em um escritório de Contabilidade com chances de entrar para o quadro.


A trajetória de Carlos é privilegiada. Ter a visão e as condições financeiras necessárias para a continuidade dos estudos é raridade no cenário brasileiro. E remetem a um velho e conhecido dilema: qual o retorno financeiro da educação no Brasil para o jovem de baixa renda?


Um relatório de 2018 do Banco Mundial, que discute oportunidades de emprego e educação para jovens brasileiros, aponta que ter um diploma universitário (em contraste a ter apenas o ensino médio completo) significa, em média, uma remuneração 125% superior. Também estima que o adicional de remuneração entre a conclusão do ensino médio e do ensino fundamental pode alcançar 50%. Mas esses números também vêm acompanhados de pesquisas que mostram que parte significativa dos entrevistados não reconhecia que saltos educacionais implicavam ganhos de remuneração.


É possível que a deterioração econômica do país nos últimos dez anos contribua para desacreditar essa relação positiva entre estudos e renda para a parcela mais pobre da população. Nesse período, segundo análises da FGV Social com dados da PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra De Domicílios Contínua), a renda da metade mais pobre da população reduziu cerca de 26% embora a escolaridade média dessa mesma parcela tenha crescido em 1,7 anos.


No último dia 30 de setembro o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografias e Estatísticas), ao divulgar a redução da taxa de desemprego no Brasil de 14,7% para 13,7% em relação ao trimestre anterior, apontou que o resultado deve-se também ao aumento do número de trabalhadores no mercado informal, que somam hoje 36,3 milhões de pessoas em atividades produtivas que não envolvem carteira de trabalho ou CNPJ.


O desemprego e a falta de postos de trabalho formais incentivam o trabalhador autônomo, mas não representam o sonho do empreendedorismo. Muitos recorrem à informalidade como única fonte de renda, o que muitas vezes significa redução da renda em relação ao emprego anterior. Para aqueles que se preocupam com a subsistência familiar e com a queda do poder de compra decorrente da inflação, estudar dificilmente é uma realidade. Um cenário desolador de indicadores econômicos e necessidades básicas prementes à porta reforçam a falta de oportunidades infligidas a Carlos e de tantos outros jovens brasileiros que buscam ingressar no mercado de trabalho.


Contudo, é importante não se deixar levar pelo sofisma: a falta de empregos e oportunidades no mercado de trabalho não significa que a educação não implique aumento de renda. Mais ainda, a educação não só se alinha com adicionais financeiros como tem relações sinérgicas com a produtividade de um país e por isso não deve ser abandonada mesmo frente ao cenário econômico preocupante com que nos deparamos hoje.


O Nobel de economia de 2021 foi concedido a David Card (Canadá e EUA) e a uma dupla de pesquisadores - Joshua D. Angrist (Israel e EUA) e Guido W. Imbens (Holanda) - por creditar mais confiabilidade aos estudos empíricos e às relações causais dos experimentos naturais. Os pesquisadores fizeram uso de situações reais que dispensam grupos de controle e se assemelham a eventos aleatórios para inferir ou refutar relações de causa e efeito. Um dos estudos que levaram a premiação é de Angrist e de outro colega (Alan Krueger, falecido), que utilizando a aleatoriedade do mês de nascimento e a diferença de tempo de estudo decorrente da entrada mais ou menos tardia na escola, aponta justamente que o maior tempo despendido com estudos resultou em uma diferença de 9% em relação à renda obtida na vida adulta.


Quanto à relação entre educação e a produtividade de um país, cabe destaque um outro relatório do Banco Mundial, específico sobre emprego e crescimento, que aponta que, ainda que baixo, o crescimento econômico registrado no Brasil nos últimos vinte anos foi impulsionado pelo aumento do nível de escolaridade da força de trabalho. Além disso, uma educação bem direcionada, que atenda as competências requeridas pelo mercado e pelas novas lógicas de relações sociais e de consumo, pode melhorar o “matching” entre trabalhadores e oportunidades, tornando mais eficiente e produtiva a alocação de recursos profissionais do país.


O impacto da educação é ainda mais relevante quando falamos de políticas públicas do setor, em especial na rede pública de ensino. O Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Universidade de São Paulo (USP) publicou em maio de 2021 um estudo que reforça o valor agregado do investimento em educação ao estabelecer correlações positivas entre gastos em educação pública e a redução da desigualdade no grau de concentração de renda medido pelo índice de Gini. O estudo mostra que os investimentos têm retornos distintos a depender da etapa à qual se destinam, sendo mais relevantes quando aplicados no ensino fundamental e neutros quanto ao indicador quando destinados ao ensino superior.


As políticas públicas e o investimento em educação devem ser vistos como importantes para o crescimento do país, mesmo em situações de ajuste fiscal e oferecendo apenas retornos a longo prazo. São políticas de fundação, que ajudam o país a crescer, reduzem desigualdades, e podem conferir mais credibilidade e por conseguinte atrair mais investimento externo. Continuam sendo o presente necessário para o país do futuro.



Sobre a autora

Tassiana Cunha Carvalho é mestranda em educação, especialista em gestão da política de direitos humanos e cientista política. Pertence à carreira de especialista em políticas públicas e gestão governamental e trabalha atualmente no Ministério da Educação.


 

Os artigos do quadro Colunas de Opinião não refletem necessariamente a opinião do Conexão Gestão Pública.

1.214 visualizações0 comentário
bottom of page